Gesloures: "Temos de encontrar respostas para as aspirações dos jovens"

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A natação sincronizada da Gesloures esteve em plano de destaque em 2017 com a conquista de títulos no campeonato nacional, assim como a presença de nadadoras na seleção nacional no Mundial de Budapeste e no Europeu de Juniores em Belgrado, onde Portugal superou a barreira dos 70 pontos. Coletivamente, a Gesloures venceu o Campeonato de Inverno no Fluvial Portuense e renovou o titulo Nacional de Campeonato de Verão - Open de Portugal em Santo António dos Cavaleiros.

A presença de dezanove nadadores de natação pura, adaptada e sincronizada, em campeonatos da Europa, do Mundo e em Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, atestam o trabalho desenvolvido pelas escolas de natação da Gesloures e as boas condições de prática desportiva que sucessivas gerações têm encontrado nas piscinas municipais do concelho de Loures.

Criada pela autarquia, em 1992, como objetivo de gerir as Piscinas Municipais de Loures e de Odivelas, a Gesloures concebeu e executou desde então um plano de desenvolvimento da natação que já foi frequentado por mais de sessenta mil crianças, jovens e adultos.

O reconhecimento do trabalho desenvolvido pela Gesloures - a mais antiga empresa municipal portuguesa - e da sua equipa técnica ultrapassam em muito o concelho.  A Gesloures viu o seu mérito desportivo reconhecido com a atribuição da medalha de bronze da Federação Portuguesa de Natação, em 2016, e a medalha de ouro em 2017.

No balanço da temporada, e para dar a conhecer o percurso no clube de Loures, o departamento de comunicação da FPN entrevistou Mário Cardoso, Chefe do Departamento Técnico e da Atividade Física e treinador principal da Gesloures, e Chilua Pegado, treinadora de Natação Sincronizada.

FPN: A Gesloures é um clube de referência na natação nacional. Pelo facto de conseguir resultados de excelência na natação sincronizada, a base da seleção está nesta equipa. Como nasceu a Gesloures?
Mário Cardoso: A GesLoures é criada para fazer a gestão destes equipamentos sociais das piscinas e, esse, continua a ser o nosso grande objetivo. A natação de competição - a natação pura, a natação sincronizada ou a adaptada - surge como um resultado óbvio. Entendemos que toda a criança, que no concelho começa a aprender a nadar, tem de encontrar na Gesloures resposta para todas as suas aspirações: se quiser só aprender, aprende só, se quiser fazer uma carreira desportiva nós também damos essa resposta. É enquadrada neste projeto que surge a natação de competição em qualquer uma destas três vertentes: quer na adaptada, onde também temos resultados de grande nível; quer na pura, porque temos vindo a ter e estamos convictos que vamos voltar a ter; quer na sincronizada, que neste momento está a ter o resultado que nós temos. É sempre nesta perspetiva que a natação de competição surge no projeto Gesloures. É uma das nossas vertentes. Nós não existimos para ter competição, a competição existe como uma das respostas que a Gesloures necessita também de dar a quem, por vocação, de qualidade, de técnica e porque tem essa capacidade de trabalhar e de lutar para ser cada vez melhor e superar-se pode chegar a patamar de execução e de rendimento como aqueles que têm vindo a chegar. É nesta perspetiva que surge a natação de competição em qualquer uma destas áreas e é nesta perspetiva que neste momento a sincronizada está no patamar em que está. Mas não é um fim, o nosso objetivo principal não é este, mas sim um dos múltiplos objetivos para que existe a Gesloures.
FPN: As pessoas residentes no concelho têm noção da importância que a [Natação] Sincronizada da Gesloures tem a nível nacional?
Chilua Pegado: Penso que agora já vão tendo um pouco mais. Mas é muito recente, acho que a natação sincronizada, assim como a nível nacional, aqui, nesta zona, também era um pouco desconhecida. Agora, já começa a ter mais importância.
FPN: É difícil explicar a importância da Natação Sincronizada e o nível de exigência para superar os 70 pontos no Mundial. Está ali muito trabalho… o que é que representa em termos de treino diário ou treino semanal, se nos puder caracterizar?
Chilua Pegado: Elas treinam muito, treinam desde pequeninas a maior parte. Portanto, este dueto/trio: a Bárbara Costa desde os 7 anos, a Beatriz Gonçalves desde os 4 que está comigo, a Cheila Vieira começou um pouco mais tarde, com a natação pura e depois passou para a natação sincronizada. Treinam de 3h30m a 4.00h por dia, cinco vezes por semana; depois temos a altura dos treinos intensivos em que treinam o dia todo: treinam de manhã e de tarde, ou alguns domingos que temos necessidade de ocupar a piscina toda, fazem muito trabalho de força específica e força geral, fazem muito trabalho de flexibilidade e muito trabalho de expressão corporal, de dança.

FPN: Como é que analisa estes resultados internacionais?

Chilua Pegado: A Natação Sincronizada deu um pulo grande de algum tempo para cá, a qualidade aumentou. Aumentou bastante. As experiências internacionais que as nadadoras têm tido são muito importantes. Eu vejo muita diferença. Neste caso, em Budapeste, eram minhas nadadoras, portanto consigo analisar ainda mais, vejo muita diferença a cada prova que vão, é um salto enorme que dão. O resultado foi positivo, agora temos de continuar a crescer ainda mais e com mais ambição, mas o objetivo que foi estabelecido foi cumprido e foi muito positivo.

FPN: Se tivesses de falar um pouco daquilo que foram o campeonato nacional e da maneira como a Gesloures se comportou, que síntese faria?

Chilua Pegado: Este campeonato foi um bocado a loucura… (risos]

FPN: Foi?

Chilua Pegado: Foi, foi. Foi porque esta época, com as seleções, e os estágios, etc… foi mais complicado planear e, portanto, seguir o planeamento.
FPN: Porque houve ali sobreposição de objetivos…

Chilua Pegado: Sim, sim, tivemos atletas que estiveram fora muito tempo, estiveram muito pouco tempo no clube e nós sabemos que a sincronizada é um desporto de equipa e que se não temos 1 ou 2 atletas é complicado trabalhar. Eu acho que dentro daquilo que estávamos à espera e daquilo que foi possível trabalhar em cais de piscina correu bastante bem, foi bastante positivo.

FPN: E a competição em si, em termos de espetáculo e trabalho organizacional?

Chilua Pegado: Esteve bem. É assim, foram três dias exaustivos.

FPN: A Chilua estavas mais focada nas questões técnicas?

Chilua Pegado: Eu acho que até foi bem organizado a nível de intervalos, de descansos das jornadas.

FPN: Há sempre aquelas polémicas à volta das pontuações. É uma modalidade que tem algumas particularidades…

Chilua Pegado: Sim, assim como a ginástica… por não haver um cronómetro é sempre uma coisa mais subjetiva.

FPN: Todavia, isso é ultrapassado?

Chilua Pegado: Eu acho que tem vindo a melhorar.

FPN: Tem melhorado com investimento na área da arbitragem…

Chilua Pegado: Sim. Bastante. Tem vindo a melhorar, já não está tão saliente, tão grave como há uns anos atrás, acho que tem vindo a melhorar, mas ainda precisa de muito trabalho de formação, acho que os juízes precisam de mais provas, precisam de mais experiência também, assim como as atletas, os juízes também precisam de mais experiência. Acho que pontuam pouco.

FPN: Há pouco estava a falar naquilo que é o percurso de um jovem que inicia a natação sincronizada. Portanto, há aqui um trajeto que pode ou não ir para a competição, não é um dos objetivos, não é um fim em si…

Mário Cardoso: Não é um fim, é um resultado normal de uma escola. A natação de competição, e quando eu falo de natação estou sempre a falar nas três áreas, surge sempre como um resultado normal do trabalho da escola e depois das características que cada uma das crianças vai revelando e que optem, pela natação pura, pela natação sincronizada ou, no caso de terem limitações funcionais, pela natação adaptada. A nossa preocupação é termos a capacidade de darmos resposta a isto. Nos últimos anos temos vindo a ter este crescimento nas disciplinas de competição, exatamente porque essa estrutura que já foi criada o que permite enquadrar desde muito cedo as crianças dependentes daquelas características que nós vamos detetando. Quer as características físicas, quer do gosto que cada uma tem. Independentemente de uma criança ter características ótimas para esta ou para aquela modalidade, tem muito a ver com aquilo que para a criança é o sonho, ser nadador de [natação] pura ou sincronizada, não são exatamente a mesma coisa, exigem características diferentes, predisposições diferentes, e portanto os técnicos que trabalham com elas nessa fase final da formação de escola depois vão ajudá-las a direcioná-las mais para a esta ou para aquela atividade.

FPN: Por exemplo, no caso da [natação] sincronizada, há pouco falava que elas têm de começar muito cedo, não é?

Mário Cardoso: Sim.

FPN: Têm de começar mesmo muito cedo, há todo um envolvimento desde muito criança. Como é que são as etapas, como é que se chega àquele nível? Já falou um pouco, mas pode desenvolver?

Chilua Pegado: As miúdas que nós recebemos vêm sempre da escola. Têm sempre a formação. Quando já nadam os três estilos, crawl, costas e bruços, já podem passar para a natação sincronizada e depois, em paralelo, vão continuando a aperfeiçoar a natação e a aprendizagem da mariposa e começam as técnicas base da sincronizada. Logo ali, na primeira fase, trabalhamos muito, muito flexibilidade, temos muito mais tempo de trabalho em seco, do que o trabalho de água. Depois ao longo das épocas vão aumentando a carga horária e a intensidade com que treinam. Eu acho que acima de tudo, para chegar a este nível parte muito delas, daquilo que o Mário Cardoso dizia que têm de ter um espírito de trabalho muito forte. Nós encaminhamos, mas se elas não tiverem vontade…
FPN: É difícil, como nas outras áreas, vamos sempre parar à questão das ‘carreiras duais’ e a forma como se concilia todo o treino e competição com a escola. Para isso, a Gesloures tem protocolos que permitam essa superação?
Chilua Pegado: Não. É um problema. E aí vem um problema do pensamento dos pais e das próprias miúdas. Temos miúdas que desistem por causa da escola e que até tinham muito talento. Ou porque os pais acham que não vale a pena fazer o sacrifício de às vezes terem uma nota um pouco mais baixa, mas conseguir concretizar o sonho, ou pelas próprias miúdas que não têm a capacidade psicológica para conseguirem organizar-se.

FPN: Há um momento ou é uma evolução contínua em que se passa para este nível mais competitivo, mais elevado a nível nacional e depois para nível internacional?

Chilua Pegado: Eu acho que é contínuo, elas já começam a ter provas internacionais em juvenis. Portanto, o último ano juvenil é o que elas começam a dar o salto.
FPN: É o momento da decisão de continuar ou não continuar. Também há um abandono muito precoce, não é?

Chilua Pegado: Quando passam para júnior, na passagem de juvenil para júnior, depois na passagem para sénior e no primeiro ano sénior. Esses são os dois anos normalmente os mais complicados.

FPN: Mas num enquadramento a nível de apoios sociais e o própria câmara assim o exige, que permite apoiar nomeadamente jovens com características especiais ou mais carenciados. Há sempre um investimento?

Mário Cardoso: Quando entramos neste nível, é inevitável que haja um apoio dos pais. Porque é-nos impossível dar apoio no que diz respeito ao enquadramento escolar. A Gesloures suporta tudo: treinadores, deslocações, estadias, maquilhagem. Mas os pais são indispensáveis porque ajudam imenso na organização. A Gesloures é diferente de outros clubes ao nível da solidariedade social no sentido de servir as populações. Como empresa municipal paga iva já os outros clubes estão isentos. A gestão das piscinas municipais não é perfeita, mas não conhecemos melhor.

FPN: Há protocolos com escolas aqui na zona? A legislação já prevê uma série de apoios…

Mário Cardoso: A legislação prevê apoios quando os atletas atingem a alta competição. É verdade que nós temos aqui no concelho uma ou duas escolas que estão sensíveis aos alunos que têm esta vocação e que querem investir na carreira desportiva, facilitando um pouco ao coloca-los em turmas com o horário mais ajustáveis às necessidades do treino. Mas são os horários que a escola tem, não são turmas especiais. São turmas que possam ter uns horários a terminar mais cedo. A própria escola está organizada de forma a possibilitar isso, não significa que nessas turmas só estejam atletas mas existem escolas que têm essa preocupação, que o aluno tenha tempo para fazer mais qualquer coisa que não seja só a escola. Eu acho que era o caminho que devia ser seguido por todas as escolas. Há algumas escolas, a Secundária Doutor António Carvalho Figueiredo, por exemplo, tem essa preocupação não só para os alunos atletas, como disse, há turmas que têm alguma preocupação de ter uns horários que facilitem as crianças que estão no Conservatório, que estão no treino. Eu acho que isso era um caminho que as escolas deviam todas seguir, mas isso é porque a direção da escola é sensível. Não há protocolos porque não é possível. Tem a ver com a sensibilidade das direções das escolas. Há outras que não é assim tão fácil e nós não temos atletas só daqui, temos atletas que frequentam escolas mais distantes, que não moram em Loures e, portanto, estão sujeitos um pouco à disciplina dessas escolas.

FPN: Podemos dizer que a GesLoures tem um perfil “mais aberto” que os outros clubes de Natação em Portugal?

Mário Cardoso: Não, acho que não. A GesLoures, de um tempo a esta parte, tem tido uma preocupação de divulgar para dentro do concelho as suas atividades. Porque é aquele que nos diz respeito. Sejam elas no âmbito competitivo ou outro. A Chilua dizia há pouco que, a pouco e pouco, os habitantes do concelho, os munícipes vão tendo cada vez mais consciência da importância e da qualidade das prestações dos nossos atletas. Tem a ver com isso, com a preocupação que a GesLoures tem vindo a ter, de divulgar o trabalho que é feito internamente. Nesse aspeto, sim. Mas, acho que outros clubes também o fazem, sobretudo os grandes clubes. A questão aqui tem a ver com o facto de nós trabalharmos só na área da natação. Não podemos estar a comparar-nos com clubes vizinhos como o Benfica ou o Sporting, que são clubes nacionais, que têm uma capacidade de divulgação nacional, têm seguidores nacionais e, portanto, a nossa dimensão é uma dimensão regional, uma dimensão autárquica, uma dimensão que, se nós divulgando de forma melhor possível a nossa atividade dentro do concelho, cumprimos a nossa função.

FPN: Mas o facto de o Presidente da Câmara Municipal de Loures, Bernardino Soares, ter assistido ao Campeonato Nacional e ter ido ao banho no final, quer dizer que há aqui um envolvimento da autarquia?
Mário Cardoso: Há um apoio, uma envolvência no que diz respeito à autarquia no reconhecimento pelo trabalho realizado, isso sem dúvida. Aliás, a nossa existência implica sempre que da parte da autarquia essa envolvência e esse apoio, porque a autarquia é a nossa tutela.  A presença do Presidente da Câmara, e outros autarcas, quer nesta, quer noutras atividades da GesLoures, significa o interesse e envolvimento da Câmara.

FPN: Para a competição, a  Natação Sincronizada tem margem de crescimento?

Chilua Pegado: Sim. Agora é que está mesmo a começar a crescer, por isso eu acho que sim. É assim aqui, a nível do clube. Depois temos sempre a questão do espaço e etc. que não estica…

FPN: é uma disciplina muito atraente para os miúdos…

Chilua Pegado: É, é muito apelativa.

FPN: Há constrangimentos de infraestruturas e de meios técnicos e humanos, se isso pode ser superado na GesLoures?

Chilua Pegado: Aqui temos o problema do espaço que estávamos a falar. A natação sincronizada é uma modalidade que, para a qualidade aumentar, exige espaço, não é verdade? É difícil trabalhar coreografias em que os atletas têm de se deslocar numa piscina inteira.

FPN: Como é que consegue compatibilizar isso com os horários da natação pura, por exemplo?

Chilua Pegado: [risos] Tem de vir cá assistir a um treino.

Mário Cardoso: [risos] É, eu acho que é um problema geral. É assim, o espaço é finito.

FPN: Mas há horários rígidos?

Chilua Pegado: Os atletas têm os mesmos horários de escola, portanto o horário nobre é o horário nobre para todos.

Mário Cardoso: É horário nobre para todos. É o equilíbrio que nós temos de ter entre o espaço para que as equipas de competição trabalhem, sejam elas da natação adaptada, da pura ou da sincronizada, e a resposta que temos de dar diz respeito às necessidades de todos os outros utentes que frequentam a piscina e a necessidade do equilíbrio que também é, em termos financeiros, também fundamental para a nossa existência. E há necessidade de haver este equilíbrio permanente do espaço, quer para a sincronizada, quer para a pura, quer para a adaptada. Nós temos de encontrar aqui sempre um equilíbrio entre o ideal e o possível. E é dentro deste equilíbrio que nós trabalhamos há muitos anos. O ideal, obviamente, era que nós tivéssemos espaço para podermos trabalhar de forma desafogada, quer na pura, quer na sincronizada, mas o próprio crescimento das equipas provoca a necessidade de encontrar este equilíbrio de forma a que todos possam trabalhar com qualidade, mas que ninguém trabalhe nas condições ideais, porque aí é a realidade. Nenhuma das disciplinas trabalham nas condições ideais e Chilua precisaria certamente de uma piscina só para ela. O ideal seria ter uma piscina nos horários de treino só para ela, assim como a [natação] pura precisaria de ter uma piscina com as pistas todas disponíveis para poder treinar como deve ser, no modelo ideal, como na natação adaptada necessitaria também, no horário nobre, de ter um espaço só para ela, como a escola necessitaria de ter um espaço só para ela. Portanto, há a necessidade de encontrar aqui um equilíbrio que seja bom para todos, mas não é o ideal para ninguém porque é inevitável, é impossível, e eu acho que não há clube nenhum que o tenha.

FPN: assim como com o Polo Aquático em outros clubes?

Mário Cardoso: Normalmente o Polo Aquático trabalha-se em horários mais tardios em que é possível. Há clubes em que a sincronizada trabalha em horários mais tardios. O que nós aqui tentámos, e isso é uma das coisas que temos feito um pouco, para nós é uma questão de principio, é que não há um privilégio de horário em relação a nenhuma das disciplinas, tentamos que todos tenham uma possibilidade de ter um espaço bom, embora não o ideal, no horário que possibilita a toda a gente trabalhe com a melhor qualidade possível porque é muito complicado estar a pôr equipas a treinar a começar às 19.00 ou 20.00 e sair às 22.00 horas, isso é muito complicado. Não significa que, uma ou outra vez, isso possa acontecer, mas sistematicamente não. Porque depois há o equilíbrio com as necessidades de descanso dos atletas e depois o rendimento escolar. Se os atletas estiverem a sair da piscina todos os dias às 00h, dificilmente. E depois na pura se saírem às 00.00h vão treinar às 6.00 h da manhã, como acontece normalmente.

FPN: Os últimos resultados internacionais da Natação Sincronizada revelam um salto qualitativo na disciplina. A GesLoures é um clube de charneira para passarmos em vez de ser um objetivo dos 70 passar a ser o objetivo dos 75 pontos?

Chilua Pegado: [risos] Eu sei que esse passará a ser o nosso objetivo. Foi muito positivo estes resultados, mas entendo que nós estamos muito longe ainda da realidade dos nossos oponentes. Nisso eu entendo, daquilo que eu ouço e falo com outras treinadoras, que tem muito a ver com as condições e, mesmo em Espanha, por exemplo, eles têm no centro de treino três piscinas no mesmo espaço, uma delas é só para a sincronizada. Só essas condições já ajudam a dar esse salto.

FPN: As nossas nadadoras são muito talentosas. Não é isso que está em causa.

Chilua Pegado: Sim, temos algumas nadadoras muito talentosas, acho que a mentalidade também tem de mudar.

FPN: Em que aspeto?

Chilua Pegado: A mentalidade dos pais, a mentalidade das miúdas.... A frase que mais ouço por parte dos pais é “Vocês têm é de se divertir”, compreendo, eu acho que elas devem divertir-se enquanto fazem o desporto que gostam, mas depois também há o exagero. E geralmente as miúdas que chegam mais longe, quando vemos o perfil familiar, os pais dizem: “Tu tens é que te divertir” em vez de: “Tens de gostar do que fazes mas estás ali para atingir resultados, se o teu sonho é esse tens de os atingir”. E, numa grande maioria, eu não tenho 30 atletas a pensar assim, tenho metade que está ali pelas amigas e depois atingem os resultados e é giro, e tenho ali uma pequena parte que tem realmente esse sonho de crescer. Por isso, tem de se mudar um bocadinho a mentalidade geral do país. É possível chegar aos 75 pontos [risos], sinceramente acho que é possível do que eu tenho visto nelas. É possível, neste ciclo olímpico de 4 anos.

FPN: E o que é que isso representa em termos internacionais, passar à frente de uma série de países…

Chilua Pegado: Sim, serão sempre os países que estão mais ao nosso nível, portanto, mais em baixo mas acho que o caminho tem de se ir percorrendo aos poucos, temos de ir tentando subir e ir aos poucos porque em relação à grande parte dos países que estão a competir, ainda estamos muito longe, temos muito de galgar.

FPN: E isto é um processo de médio-longo prazo? Especialmente porque estávamos há pouco a falar na carreira e no nível em que geralmente há o abandono. Qual é a média de idade até à qual se pode competir na sincronizada?

Chilua Pegado: Pode ir até aos 30 anos. Até mais. Elas querendo e conseguindo organizar, conseguem, depois há é a questão profissional, têm de conseguir compatibilizar. Mas em termos físicos acho que é possível. Agora, com o maior investimento que tem vindo a haver por parte da Federação e mais provas e está a dar mais visibilidade e começamos a ver as miúdas mais pequenas já a aspirar e achar que é possível.

FPN: Essa questão que também é fundamental.

Chilua Pegado: Sim, aquilo que nós achávamos que era impossível há uns anos atrás, as miúdas mais novas agora já olham e já sonham quando perguntamos. Eu tenho muito por hábito perguntar qual é o objetivo delas e antigamente os objetivos eram só ser campeã nacional ou ganhar o solo e agora já ouço: “Quero ir ao Mundial”. Ou seja, aspirações maiores porque também já é mais real. Isso vai aumentar a qualidade das atletas porque também aumenta o trabalho.

FPN: A nível dos escalões mais jovens como está a GesLoures?

Chilua Pegado: Não temos muitas, não temos muitas meninas infantis. Eu noto muita diferença nas meninas que temos vindo a receber, também estamos a receber meninas mais novas. Antigamente começávamos um pouco mais tarde, portanto já vinham com uma aprendizagem maior, agora vêm com menos bases. Mas vejo alguns talentos, já consigo ver algumas miúdas promissoras. Mas também é uma idade em que é difícil perceber.

Mário Cardoso: Pode-se achar que é muito boa e depois não ser.

Chilua Pegado: A Cheila Vieira é um exemplo, quando veio aos 12 anos para a Gesloures, não tinha flexibilidade quase nenhuma, olhava para ela e dizia: “Oh meu Deus”. Não vai sair daqui nada e foi uma surpresa. Quando chegam ali ao último ano de juvenil é que se começa a perceber até pela própria maturidade.

FPN: A ideia é elas continuarem este ciclo, estas miúdas que foram agora ao Mundial?

Chilua Pegado: Sim, eu penso que a ideia é continuar, sempre dando hipótese a outras atletas. Portanto, elas vão continuar a fazer as provas de pré-seleção para duetos até para estas atletas não sentirem que têm o lugar fixo, que isso faz sempre com que a pessoa se acomode um pouco e tem de haver competitividade, uma competitividade saudável, como é óbvio.

FPN: Há muita rivalidade interna e externa?

Chilua Pegado: Interna, eu felizmente no meu clube consigo não ter. Acho que é um dos pontos positivos que nós temos é que elas têm muito o espírito de equipa, mesmo tendo duas solistas que competem uma com a outra na mesma prova, claro que querem sempre ganhar mas é uma competitividade muito positiva, muito saudável são muito amigas, não noto. A nível de clubes, sim. É uma modalidade de equipa, por isso é diferente. A natação é mais individual, é muito diferente.

FPN: Para funcionar tem de ser mesmo em equipa, se uma falha, falha a equipa toda. É uma responsabilidade.

Chilua Pegado: Sim, é o que nós estamos sempre a transmitir. Mesmo quando elas competem sozinhas, o solo vai interferir nos pontos. Portanto, elas têm sempre essa noção. Eu não tenho muitas faltas, as minhas atletas não faltam muito. Às vezes, falo com outras treinadoras e queixam-se muito que as miúdas não vêm por causa dos testes, e eu felizmente tenho feito com que elas venham, é uma discussão com os pais, permanentemente, mas as próprias miúdas querem vir porque elas têm muito essa noção da equipa – “se eu falhar as minhas colegas estão lá e não vão estar lá a fazer nada e precisam de mim” e eu acho que isso é importante para elas continuarem a vir.

FPN: O horário, como é?

Chilua Pegado: Elas começam às 17.00h no ginásio e vão até às 20h30/21.00h em água. Portanto entramos em água normalmente uma hora depois. Fazemos uma hora de ginásio, fazem o reforço alimentar porque vêm da escola e depois começamos o treino até às 20h30/21.00h. À sexta feira ficamos até às 21h30 e depois no sábado treinamos das 9.00h às 14h30, e depois vêm em alguns domingos.

FPN: São umas miúdas que têm uma cabeça muito ‘arrumadas’. Podíamos caracterizá-las assim? Ou cada caso é um caso?

Chilua Pegado: É assim, cada caso é um caso e eu acho que também vem desde pequeninas, obrigamo-las a essa disciplina.

FPN: É muito interessante ver isso.

Chilua Pegado: Eu andei no ‘ballet’ muitos anos e também requer muita disciplina e postura. Nós tentamos transmitir-lhes isso de forma severa desde pequeninas. Por exemplo: andar a fazer mortais ou palhaçadas na piscina enquanto está a haver provas, estas pequeninas coisas nós não permitimos e, portanto, eu acho que elas têm uma postura muito correta como atletas e são muito disciplinadas. Têm noção da seriedade. Se é competição, é sério. Portanto, nós temos depois a vertente da exibição. Quem não quer ou não consegue, não aguenta, vai para a exibição. Para mim é uma coisa séria, e é isso que eu lhes transmito desde pequeninas.

FPN: Há uma ligação, não é? Daquilo que são as coreografias da natação sincronizada do que é aquilo do seu ADN da dança…

Chilua Pegado: Sim, acho que sim [risos] Eu andei no ‘ballet’ desde nova e depois saí porque não tinha muita flexibilidade, sempre fui assim muito perra e na altura, eu andei no Conservatório e sempre me disseram que eu devia ir para coreógrafa porque tinha muita imaginação, muita criatividade e a minha vertente seria sempre a coreografia.

FPN: E como é que fez a ponte para a sincronizada?