Rescaldo do Campeonato do Mundo Doha 2024

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Rescaldo do Campeonato do Mundo Doha 2024

Por João Bastos

Doha a quem doer, o Campeonato do Mundo do Catar ficará para sempre na memória coletiva dos amantes da natação em Portugal.

O país que nunca tinha subido ao pódio de um mundial de piscina longa antes de Fukuoka, no ano passado, volta do médio oriente com três medalhas, duas delas de ouro e com a 11.ª posição do medalheiro.

As medalhas de ouro aos 50 e 100 mariposa de Diogo Ribeiro e a medalha de bronze de Angélica André nos 10 km em águas abertas são o novo ponto mais alto da História da natação portuguesa.

Falemos dessa história, ponto por ponto:

Menino de Ouros

O triunfo de Diogo Ribeiro no mundial de Doha é dele, é resultado do trabalho dele e da sua equipa técnica, da ambição dele e do talento dele. Já a alegria, o orgulho e a emoção requerem do Diogo o altruísmo de os partilhar com todos nós. Dos mais céticos que nunca acreditaram que o hino nacional tocasse nuns Mundiais de Natação, aos mais otimistas que nunca duvidaram das capacidades do nadador português. Dos mais velhos que já viram muitos Diogos ficarem pelo caminho, aos mais novos que sonham ser o próximo Diogo. Dos mais entendidos aos mais leigos, dos conimbricenses, dos benfiquistas, de todos os portugueses. Diogo Ribeiro é o campeão de todos nós!

O nosso menino de ouro, que tivemos de aprender a partilhar com o país desde que se tornou tricampeão do mundo de juniores há um ano e meio e que agora partilhamos com o mundo que ele conquistou, fez capas de jornais e abriu telejornais, vive um sonho que não lhe parece difícil de assimilar por sempre ter ambicionado chegar aqui.

E por aqui não se fica. Com a vitória nos 50 e 100 mariposa na mesma edição dos mundiais, fez o que até hoje só Caeleb Dressel tinha conseguido fazer (em 2019). Mesmo considerando diferentes edições de mundiais, só Ribeiro e Dressel foram campeões nessas duas distâncias.

Foi ainda o segundo campeão mundial mais jovem nos 100 mariposa, só superado em juventude por Greg Jagenburg, campeão mundial da prova com 18 anos em 1975.

Diogo entra, por isso, de forma destacada numa galeria de campeões muito restrita.

Este feito aumenta-lhe indubitavelmente o estatuto, mas não lhe aumenta a responsabilidade.

Importa perceber que o reverso da medalha do reconhecimento público é o aumento da pressão e da exigência por parte de um público que não está disponível para relativizar o facto de Diogo ter ainda 19 anos, de ir participar nos seus primeiros Jogos Olímpicos e destes mundiais de Doha terem sido os únicos de sempre a acontecer no mesmo ano dos Jogos Olímpicos.

A ambição e o objetivo para Paris não mudaram depois destes mundiais e se a pressão aumentou para alguém foi para os adversários de Diogo Ribeiro que terão no português um adversário temível.

Este é o desafio que é feito à comunidade da natação em Portugal. Em troca da alegria que o Diogo nos deu, devemos contribuir para a segurança e estabilidade do trabalho que vai desenvolver com a sua equipa técnica até ao próximo agosto. Devemos-lhe isso a ele e aos milhares de meninos e meninas que sonham um dia serem os novos meninos de ouro.

Parabéns, Diogo!

Obrigado, campeão!

Rainha do Mar

Outra história bonita é aquela que está a escrever Angélica André. Nas últimas três grandes competições internacionais a nadadora lusa de águas abertas conseguiu as suas melhores classificações internacionais, contando com o bronze europeu em Roma 2022 nos 10 km, o quarto lugar nos 5 km no mesmo europeu, o quarto lugar nos 5 km no mundial de Fukuoka 2023 e este ano com o 3.º lugar nos 10 km em Doha.

Angélica é, neste momento, uma das nadadoras mais regulares do pelotão internacional. De resto, se somarmos as provas de 5 e 10 km dos últimos dois mundiais (Fukuoka 2023 e Doha 2024), só encontramos duas nadadoras que fizeram Top-10 nas quatro provas – as campeãs olímpicas Sharon van Rowendaal e Ana Marcela Cunha – e apenas uma que fez Top-10 em três provas: Angélica André. Só depois surge um grupo de 11 nadadoras com dois Top-10.

Acresce que na competição em Doha só esteve ausente uma das três nadadoras já apuradas para os JO, a vice-campeã mundial dos 10 km, Chelsea Gubecka. De resto, esteve presente toda a elite mundial.

E não são apenas os resultados que revelam a consistência da nadadora do FC Porto. Angélica é, atualmente, uma das nadadoras com melhor “leitura de corrida” do pelotão internacional e isso tem tornado as suas provas mais eficientes.

Atualmente pode-se considerar que existe um “big 3” nas águas abertas, seja em masculinos – Wellbrock, Rasovszky e Paltrinieri – como em femininos – Sharon, Ana Marcela e Leonie, mas cada prova de águas abertas tem a sua própria história e, com as características “todo-o-terreno” de Angélica, a sua vontade de vingar Tóquio, a sua experiência e a sua consistência, a nadadora matosinhense pode estar perto de escrever mais um grande (quiçá o maior) capítulo da sua história.

E que pela mão de Angélica, Portugal continue a cobrir-se de glória por mares nunca dantes navegados.

Balanço Geral

Nos destaques finais da participação nacional em Doha, há que ressalvar as participações coletivas.

Primeiramente a participação histórica do dueto da natação artística, Cheila Vieira e Maria Beatriz Gonçalves que fizeram algo que há pouco anos parecia inverosímil: disputar o apuramento olímpico. O 8.º lugar no dueto técnico foi mais um marco na carreira da nossa dupla que ficou tão perto de concretizar o sonho olímpico.

Nas águas abertas a estafeta portuguesa com os quatro suspeitos do costume, Angélica André, Mafalda Rosa, Diogo Cardoso e Tiago Campos conseguiram um brilhante 7.º lugar, melhorando o 10.º lugar que o mesmo quarteto tinha conseguido em Budapeste 2022 e disputando ao sprint o 6.º lugar com a França, uma potência das AA.

A estafeta masculina 4x100 estilos com Gabriel Lopes, Francisco Quintas, Diogo Ribeiro e Miguel Nascimento que, mesmo com o revés da ausência de João Costa, ficou à beira do apuramento olímpico, sendo ainda uma possibilidade, apesar de muito remota.

A estafeta feminina 4x100 estilos com Camila Rebelo, Ana Pinho Rodrigues, Mariana Cunha e Francisca Martins marcou um excelente novo recorde nacional com 4:05.26, 14.ªs classificadas, sendo as 8.ªs europeias neste mundial, o que abre boas expetativas para voltar a repetir o quarteto nos europeus de Belgrado este ano (com a ressalva que não participaram em Doha nações fortes como a França, a Grã-Bretanha e a Dinamarca).

Com a meia-final nos 100 metros costas, Camila Rebelo passou a ser a única nadadora portuguesa a estar pela segunda vez numa meia-final de um mundial. Já tinha estado no ano passado em Fukuoka, dessa feita nos 200 costas.

A natação feminina portuguesa ainda está num processo de afirmação internacional. Para além de Camila, apenas Ana Barros, Joana Arantes, Diana Gomes, Victoria Kaminskaya e Ana Catarina Monteiro passaram a fase de eliminatórias. E agora também Ana Pinho Rodrigues e Mariana Cunha com as suas meias-finais alcançadas em Doha. Ana nos 50 bruços, alcançando a 14.ª posição e Mariana nos 200 mariposa, sendo 13.ª classificada.

No entanto, as nadadoras portuguesas com mais classificações no top-16 continuam a ser Diana Durães, com quatro, e Tamila Holub, agora com três, depois de se classificar no 15.º lugar nos 1500 metros livres.

Quem também marcou presença numa meia-final foi Gabriel Lopes, a terceira da sua carreira em mundiais, sempre nos 200 estilos. Depois do 15.º lugar em Gwangju’19 e do 16.º lugar em Fukuoka’23, foi agora 12.º em Doha’24.

De referir ainda o 11.º lugar de Diogo Ribeiro nos 100 livres que acaba por ser uma nota de rodapé na sua participação, mas que reforça o facto de estes terem sido os mundiais com mais classificações no top-16 na natação pura para Portugal, com um total de 11, superando as 8 de Fukuoka.

De referir ainda que todos os nadadores (considerando as três disciplinas) conseguiram pelo menos uma classificação dentro dos 16 primeiros. Se não individualmente ou em dueto, no caso da artística, por via das estafetas.

O ano 2024, o ano mais repleto de natação de alto nível em termos globais, segue agora até aos europeus de Belgrado, em junho, como última paragem intermédia rumo aos Jogos Olímpicos de Paris.