António Machado faz o balanço da participação no Europeu Sub 19 Netanya, de 3 a 11 de julho, em Israel, onde Portugal terminou na 11.ª posição. O treinador partilha a sua experiência e a da seleção, de tudo aquilo que envolveu essa mesma participação, no dia a dia, em Netanya, e ao mesmo tempo revela os sentimentos de uma representação nacional e o que isso pode ser numa mudança para o futuro.
«Portugal partiu no dia 1 de julho para Israel e chegou a Netanya, ao hotel onde iria ficar, já na madrugada do dia 2, sabendo que começava a sua participação num jogo com a Holanda logo no dia 3.
O dia 2 foi de treinos bidiários, no qual a sessão da manhã realizámos um jogo treino com a seleção Turquia de cerca de 40 minutos. Numa primeira fase surpreendeu a Turquia e numa segunda fase a Turquia parecia superior à equipa portuguesa. Isso tem a ver muito com a nossa mentalidade, com a forma como, nós portugueses, olhamos para as outras equipas. Uma coisa é observar uma equipa em treino, em aquecimento, outra é em jogo. E quando verificamos que têm potência de remate, técnica individual, uma boa capacidade de passe, estrutura física, saem bem fora de água, apesar de todos esses atributos, não devemos pensar que são melhores que nós. É isso que tento sempre transmitir às minhas jogadoras. Nós temos as nossas virtudes e defeitos como todas as outras equipas.
No jogo frente à Holanda não quisemos colocar em prática aquilo que seria o nosso sistema defensivo de base e tentar surpreender os adversários em contra-ataque. Não o fizemos, como já disse, propositadamente, e o que dai resultava contra uma potência do polo aquático feminino. Ficamos convictos que o mesmo poderia resultar. Voltamos a esconder o jogo frente à Ucrânia, essa sim do nosso campeonato.
No dia seguinte ao jogo com a Holanda fizemos treinos bidiários, tentando esconder um bocadinho a nossa estratégia. Na véspera do jogo com a Ucrânia há sempre incertezas porque na verdade aquilo que é o passado recente da seleção não nos dá a confiança necessária para abordar estes jogos do Europeu. Há sempre incertezas que nos apoquentam. Nota-se nas jogadoras, sente-se, e os treinadores tentaram não transparecer de forma alguma essa mesma incerteza no jogo do dia seguinte. Essas incertezas estiveram presentes logo a abrir frente à Ucrânia. Apanhamos três golos e parecíamos que estávamos a jogar com uma equipa que não nos iria dar qualquer possibilidade, mas é nisto que está a diferença desta seleção. Há uma mentalidade de superação, de resistir, quando as coisas não estão a correr bem e acreditar que é possível. Portugal acabou por fazer um jogo extraordinário, emotivo, incerteza no resultado. Ganhou a equipa que teve mais vontade de vencer. E aí ganha-se moral, uma aura diferente de estar no Europeu. Uma vitoria que faz muita diferença na mentalidade a maneira de encarar a competição. Estávamos em Israel para competir, a representar Portugal, correr a trás de um sonho, mas também para trabalhar.
No dia seguinte fizemos bidiário, aproveitando todas as condições num momento muito especial que é o Europeu com todos a pensar polo aquático. Nesse dia sentíamos confiança. Mas depois voltou as incertezas. Embora as ucranianas tivessem ganho às britânicas, o jogo tinha sido duro, de pressão o tempo todo, de contraste, no “um para um”, no qual a Ucrânia saiu vencedora. Voltamos a ter incerteza quanto à capacidade física, à estatura das inglesas, da qualidade das guarda-redes. Todas essas incertezas voltaram a pairam e só serão ultrapassadas naquilo que é a própria experiência das jogadoras, acumulada, e competirmos ao mais alto nível nos diversos campeonatos. É aí que se ganha experiência.
Encarámos o jogo com a Grã-Bretanha com o frio na barriga, porque na verdade tínhamos feito uma exibição extraordinária contra a Ucrânia e se não mantivéssemos essa qualidade estávamos a borrar a pintura. Mais uma vez a equipa apresentou-se extremamente concentrada, com caracter, com competência. Facilmente ganhou vantagem sobre a equipa britânica não dando qualquer hipótese, permitindo uma rotatividade no terceiro e quarto período que não tínhamos conseguido até então. Saímos supermoralizados e acreditarmos no sonho de efetivamente irmos disputar com a Croácia a possibilidade de ficarmos nos 8 primeiros.
Isso ocorre no dia seguinte, com 24 horas de intervalo. E não há duvida que a equipa estavam motivada, confiante, sabendo das dificuldades que iria encontrar, uma Croácia quer tinha perdido por três golos contra a França, que por sua vez tinha ganho à Itália (11-8). Outro campeonato, que sabíamos ser o jogo das nossas vidas. É sempre motivante estar no Europeu e estar presente nas decisões, decisões do nosso nível, mas de algo impensável que era ficar entre os 8 primeiros. O espírito de uma verdadeira final do qual Portugal tem três períodos em que esteve ao nível da Croácia. Falha no terceiro período onde não concretizamos um penalti e uma bola de superioridade numérica e, na resposta, a Croácia faz golo. Há momentos fundamentais que quando se falha e a equipa adversária concretiza é como uma diferença de dois golos. A Croácia mostrou mais experiência. Portugal ainda reagiu no último período reduzindo para diferença de dois golos criando instabilidade na equipa da Croácia.
Caímos na realidade a acordar do sonho que nos tinha levado até ali. Contudo, deixei bem claro à equipa, foi que não conseguindo a oitava posição, iriamos tentar a posição imediata. E isso resultava num jogo que teríamos num espaço de 12 horas para recuperar: acabamos o jogo com a Croácia às 10 horas da noite e começamos o aquecimento às 10h00 da manhã para o jogo com a Sérvia. Alterámos alguma estratégia daquilo que foi o jogo com a Croácia, porque na verdade a Croácia estudou bem a nossa estratégia defensiva e conseguiu em grande parte evitar que, quando falhavam, nós conseguíssemos sair em contra-ataque direto. Nesse sentido mudamos um pouco a estratégia, do tipo de defesa que fazíamos. Para depois passar para a “zona M” que nos permitia sair em contra-ataque. E isso resultou em pleno porque no primeiro período acabamos a vencer 6-3. A equipa da Sérvia é do nível da Croácia, não houve a possibilidade de se confrontarem para podermos tirar as dividas comparações. O que é certo se fez sentir o fator “cansaço”. Na fase de grupos teve sempre um dia de descanso. Na “fase das finais”, Portugal jogou dois jogos no espaço de 12 horas. Não teve recuperação que era fundamental. Acabamos por perder a disputa para o nono lugar e ficamos com sabor amargo porque ficamos na 11.ª posição, mas no confronto direto ganhamos por 4 ao 11.º classificado (Portugal – Ucrânia, 14-10). São as contingências dos Europeus e Mundiais, mas com total consciência tranquila em que todos os jogos que disputamos foi com o objetivo de vencer. À exceção frente à Holanda, todos os outros encontros entramos para vencer. Frente à Suíça, sabíamos que eramos superiores, favoritos, tínhamos que mostrar dentro de águas.
No computo geral, Portugal termina um Europeu onde teve a melhor participação de sempre, onde marcamos 87 golos e sofremos 74 para 50% de vitórias. É a minha opinião. A melhor classificação foi em 2000 e 2006, em formatos diferentes. Se os formatos fossem iguais, Portugal estava dentro das oito melhores da Europa. O formato atual é igual ao europeu e mundial absoluto, tem uma forma mais justa, embora possa ter algumas situações para quem vê não pareçam as mais corretas. Como é o caso de termos vencido a Ucrânia por 14-10 neste europeu e façamos um lugar a trás na classificação final.
Todas as jogadoras estiveram muitíssimo bem. Dentro e fora do campo. Na forma como cantam o hino nacional, mas também na entrega. Temos um leque de jogadoras que teria lugar em qualquer equipa deste Europeu. Uma capacidade explosiva da Madalena Lousa, Alice Rodrigues esteve espetacular, foi de um trabalho extraordinário e reconhecido na LEN, A Maria Machado e a Carolina Magano que tão bem sabem ler o jogo e tem mais experiência. As mais novas, completamente inexperientes, mas tentaram reagir e quase todas marcaram golos. Participação que nos deixa supermotivados. Uma “casa de partida” para todo um trabalho que tem de se desenrolar. Provamos que também temos capacidades. Se trabalharmos vamos acabar por conseguir. O presidente António Silva afirmou, em 2019 que sem compromisso não há investimentos. Logo na altura concordava com ele. Hoje sou eu que digo: o compromisso esta bem presente. Dei-nos condições para levar mais longe o polo aquático nacional e nos qualificarmos para o próximo Europeu e aí, mais uma vez, lutarmos pelos objetivos assumidos. O compromisso ficou bem provado. Mais tarde ou mais cedo vamos conseguir. Quero agradecer às minhas jogadoras, a todas, mesmo as que fizeram parte do plano de estágios, por todo o empenho. Acredito que com trabalho vamos atingir os objetivos. Mas com compromisso. Até lá estamos juntos.»
RESULTADOS: http://www.len.eu/?p=19620